top of page
  • Foto do escritorAndrew Soares

Por que não considero a psicologia analítica parte da psicanálise


Diversas pessoas cortando simultaneamente um bolo. O homem mais a direita não corta o bolo, mas estende a mão, fingindo que participa do ritual. No bolo está escrito "livros de psicanálise", nas pessoas que efetivamente cortam o bolo uma legenda "Freudianos ignorando a psicologia analíica. Do outro lado, sobre o homem que finge cortar o bolo o texto "Junguianos dialogando com a psicanálise". Ao lado do meme o text  "Por que não considero a psicologia analítica parte da psicanálise?"

Acho bastante curioso existir um esforço grande por parte de alguns autores da psicologia analítica em “forçar a barra” para serem também considerados psicanalistas. Isso começa com mais força com alguns autores ingleses e vem ganhando espaço no Brasil. O meme propõe uma provocação - Se a psicologia analítica é parte da psicanálise, por que curiosamente é praticamente impossível encontrarmos psicanalistas freudianos, kleinianos, lacanianos, entre outros, falando também de psicologia analítica? Em geral os movimentos de aproximação com a psicanálise partem das mesmas pessoas de sempre - os próprios junguianos. E pior, geralmente quando os psicanalistas citam Jung, em geral é para critica-lo de forma pouco embazada e sem nenhum junguiano importante oferecendo um contraponto. É só vermos quantas vezes Christian Dunker foi convidado para eventos junguianos, mas o contrário nunca aconteceu. Ele ainda se acha autoridade o suficiente para fazer um vídeo fraco sobre Jung, fazendo críticas a um autor que conhece muito pouco, em resumo, fazendo o mesmo que tantos psicanalistas criticam em relação à psicanálise.


Apesar das aproximações históricas e teóricas com a psicanálise, um saber só passa a fazer parte de outro a partir da aceitação entre os pares de que estes efetivamente pertencem a um mesmo campo de conhecimento, o que não acontece com a psicologia analítica. Um dos fatores para isso é que a estruturação do inconsciente nela não é compreendida a partir do complexo de édipo ou pelos conceitos de id, ego e superego. É consenso, entretanto, que psicanálise e psicologia analítica fazem parte do campo amplo das psicoterapias psicodinâmicas, aquelas que tentam compreender o funcionamento das dinâmicas psíquicas dos pacientes e, geralmente, possuem alguma teorização sobre o que é consciência e o inconsciente.


Outro motivo importante que me leva a não considerar a psicologia analítica parte da psicanálise é justamente porque fazendo isso enterramos a vocação dialógica da psicologia analítica para com toda e qualquer abordagem. A psicologia analítica dialoga com a psicanálise não porque ela é especial, mas porque Jung era um autor que dialogava com uma multiplicidade de autores da psicologia de seu tempo, incluindo William James, Adler e, obviamente, Freud. A psicologia analítica pode ser abordada, portanto, de diferentes formas:

  • Experimental - pesquise sobre o teste de associação de palavras que Jung desenvolveu.

  • Educacional - tendo em vista que Adler foi um autor que enfatizou isso e Jung também era favorável a uma postura pedagógica dentro da psicoterapia, e não apenas analítica.

  • Humanista - pela centralidade do encontro humano entre terapeuta e paciente

  • Transpessoal - pela importância da experiência religiosa na estruturação da psique

  • Psicodinâmica - pois propõe uma teoria sobre o funcionamento da psique, o que aproxima ela da psicanálise, apesar das diferentes conceituações.

Se você já ouviu falar das quatro forças da psicologia da Maslow, poderá identificar que a psicologia analítica dialoga com todas elas, antes mesmo que esse conceito fosse criado! Nesse sentido, quando associamos psicologia analítica como meramente um braço da psicanálise, perdemos de vista toda a riqueza possível de encontros interessantes dos mais diferentes autores e que possuem diversas formas de pensar. O estudo excessivo da psicanálise pelos psicólogos analíticos já se tornou um problema sintomático, de modo que Andrew Samuels chama de “junguianos psicanalíticos”, de modo pejorativo, aqueles que abrem tantas concessões à psicanálise que “apagam a originalidade e o refinamento da abordagem de Jung” (Samuels, 2011, p 61). Cabe lembrar que Samuels é um autor da escola inglesa de psicologia analítica na Universidade de Essex, então ele possui bastante propriedade para fazer essa crítica.


Na minha prática clínica e de pesquisa, inclusive, os elementos pedagógicos dentro da psicoterapia junguiana têm ganhado cada vez mais atenção, de modo que meu interesse se desdobra muito mais para autores da pedagogia, como Paulo Freire, e estudos da psicologia cognitivo comportamental. Sinto falta inclusive de mais autores em psicologia analítica propondo diálogos interessantes com outras abordagens que não apenas a psicanálise. Precisamos de olhares mais amplos e generosos para com ela do que apenas a associação, inclusive bastante conflituosa, entre Freud e Jung. Curiosamente olhamos e discutimos mais sobre essa relação, suas fofocas e toda a mística por trás dela do que relações mais duradouras e proveitosas de Jung. William James, por exemplo, é um dos autores pioneiros do pragmatismo em psicologia e do estudo de estados alterados de consciência, temas que Jung se vinculou de forma consistente ao longo de toda sua vida.


Essa discussão é um tanto polêmica e não pretendo encerrar o assunto, mas apenas oferecer um conjunto de reflexões para que você pense a respeito. Não quero que pensem que não gosto de autores junguianos que abordam a psicanálise. Mario Jacoby é um dos meus autores favoritos e tem uma contribuição muito consistente e importante nesse sentido. O que critico aqui é a redução da psicologia analítica à psicanálise de tal forma que, em alguns circuitos, hoje mais se fala de psicanálise do que de psicologia analítica.


Referências:

Samuels, A. (2011). Novos desenvolvimentos do campo pós-junguiano. In. P. Young-Eisendrath & T. Dawson (Ed.) Compêndio da Cambridge sobre Jung (pp. 47-63) São Paulo: Madras.


160 visualizações6 comentários
bottom of page